28 agosto, 2006

TEMPUS FUGIT”, “TEMPO HISTÓRICO

“TEMPUS FUGIT”, “TEMPO HISTÓRICO”, UMA REFLEXÃO.
Moisés Peixoto

Introdução

Para a maioria de nós, o tempo não é apenas real, mas o mestre de tudo o que fazemos. Somos observadores de relógios, seja por natureza ou treinamento. Dizem alguns biólogos que nossos corpos estão cheios de relógios vivos [biorritmos]– mecanismos que governam como a ponta-pé do jogador de futebol acerta a bola, quando nos sentimos sonolentos e talvez, quando nosso tempo acabou. Já o advento da Internet eliminou o incômodo de ter de aguardar a correspondência enviada pelo SEDEX. Em tempo de Internet, tudo ocorre em todos os lugares ao mesmo tempo. O tempo, em essência, triunfou sobre o espaço. Enfim, essas e outras reificações social do tempo é genuína, mas o que podemos falar acerca do tempo afinal? O que dele pode ser afirmado? Por acaso: há “um tempo” sobre a qual possamos tratar? O que é isto: tempo? Pensar sobre ou desenvolver uma idéia a qual possamos denominar de tempo é enveredar numa tarefa por demais complexa, é entrar num labirinto sabendo que não sairemos dele jamais. Pois quando pensamos, enfim, ter alcançado a sua saída descobrimos que, na verdade, entramos num outro lugar, que passamos somente por uma porta dentre inúmeras que existem dentro dele. Discorrer sobre tempo é “hipertexualiza-lo”, é entrar no “buraco do coelho da história de Alice no país das maravilhas” para nele poder entrar noutros. Inúmeras são as idéias sobre ele. Esta dificuldade é percebida por José Carlos Reis quando afirma, no primeiro capítulo do seu livro: Tempo, História e Evasão que: “há, portanto, falares sobre o tempo” (1994:12). A única coisa talvez em comum a respeito deste fenômeno seja as expressões utilizadas para se referir a ele. Estas, segundo o supracitado autor, existem em abundância, a saber: “Expressões como antes, depois, durante, presente, passado, futuro, instante, agora, ontem, hoje, devir, duração, repetição, passado, futuro, instante, agora, ontem, hoje, devir, duração, repetição, evento, sucessão, simultaneidade, eternidade, consciência, natureza - expressões que querem significar relações ou atribuições temporais, isto é, relações de anterioridade, posterioridade e simultaneidade ou a sucessão de eventos passados, presentes e futuros” (1994.:13). Sendo assim, não há como se referir ao tempo como só houvesse um, mas transitar por alguns. Talvez seja por isso, que precisamos fazer uso dessa variedade de vocabulários conscientes das suas limitações.
Nossa reflexão pode, portanto, partir de qualquer uma das definições sobre isto que chamamos de tempo e a partir disso, irmos desdobrando-o, ou melhor, entrando num outro “buraco do coelho”. Sendo assim, refletiremos neste artigo sobre o tempo chamado de “histórico”, o “Tempus Fugit”, sempre em relação a algumas outras idéias estabelecidas referentes ao tempo.

1. O TEMPO ONTEM E HOJE

Na antiguidade, a tentativa mais famosa de se falar do tempo, que mais nos diz respeito enquanto sociedade ocidental foi feita por Santo Agostinho em suas Confissões. Embora, convém lembrar que sua abordagem é estritamente cristã. Para começar podemos dizer que ele, no texto de número 25 do livro XI, de suas Confissões, que trata do homem e o tempo admitiu e lamentou sua própria ignorância a respeito:
“Confesso-Vos, Senhor, que ainda ignoro o que seja o tempo. De novo Vos confesso também, Senhor – isto não o ignoro -, que digo estas coisas no tempo e que já há muito que falo do tempo, e que esta longa demora não é outra coisa senão uma duração de tempo. E como posso saber isto, se ignoro o que seja tempo? Acontecerá talvez que não saiba exprimir o que sei? Ai de mim, que nem ao menos sei o que ignoro! (Agostinho, 2002: 332)”.

Apesar da sua confessa ignorância, ele tenta ainda teorizar a respeito. Para Santo Agostinho, tempo seria a extensão de alguma coisa mesmo ignorando o que é. Ele mede essa extensão, não em função do presente por ignorar o seu termino, não em função de um futuro porque não existe ainda e nem em função de um passado porque não existe mais; o que é medido por ele é um tempo livre dessas limitadoras perspectivas, mas preso ao testemunho dos sentidos dele que não tem um tamanho exato. Não temos como precisar nossas sensações, elas fluem anarquicamente “Sei perfeitamente que meço o tempo, mas não o futuro, porque ainda não existe. Também não avalio o presente, pois não tem extensão, nem o passado, que não existe. Que meço eu então? O tempo que presentemente decorre e não o que já passou? Assim o tinha dito eu”.(2002:334)
Reis explica que Santo Agostinho segue o mesmo raciocínio de Plotino sobre o tempo. Para ele, ambos seguem uma tendência subjetivista que situa o tempo na alma, na consciência e no espírito. O tempo seria, segundo esta tendência, o desdobramento das relações da consciência consigo mesma. Cada indivíduo possui o que se pode chamar de atribuições temporais, isto é, ele é passado, presente e futuro. Essas relações são do evento consigo mesmo e não mais em relação aos outros; estes deixam de ser o referencial de tempo das pessoas. “A reflexão sobre o tempo da consciência, exterior ao tempo da natureza, será desenvolvida, inicialmente, por Plotino e Santo Agostinho. Eles revelaram a dimensão da interioridade do tempo. O tempo seria a ‘mudança’ vivida continuamente pela consciência em sua relação a si e ao mundo”.(1994:29) No que diz respeito a Santo Agostinho diretamente, ele só sabe que o tempo é um produto criado por Deus junto com o homem; e sendo assim, qualquer medição, quando ocorre, é a posteriori feito próprio homem. Não se mede o tempo que Deus levou para criar, mas a duração de suas criaturas e de suas realizações que, em última instância, são determinadas por ele. Visto que antes de Deus não havia o tempo. No sistema cristão: “Jesus Cristo é o mesmo, ontem, e hoje, e eternamente (Hebreus, 13:08)”. Além disso, Agostinho não sabe mais nada a respeito do tempo. Suas dúvidas revelam a imensa angústia de alguém que ainda não descobriu uma resposta satisfatória. Enfim, o tempo para ele é um mistério de difícil definição e a sua medida é realizada pela alma, das impressões que ela possui nela própria.
Uma compreensão acerca do tempo na chamada modernidade pode ser encontrada em Kant, na sua crítica da Razão Pura. Nela, ele define o tempo como algo que existe a priori, metafisicamente, no sentido de que ultrapassa o domínio da experiência e não pode ser objeto de um conhecimento científico. O tempo está longe de ser uma percepção externa, oriunda da experiência ou da prática diária dos homens. Ele já existe em si mesmo e é anterior a nossa vivência; o tempo é uma pressuposição sob a qual tentamos representar:
“O tempo não é um conceito empírico tirado de uma experiência qualquer. Já que nem a simultaneidade nem a sucessão se apresentariam na percepção se a representação do tempo não se constituísse em seu fundamento a priori. Só pressupondo essa representação podemos demonstrar a nós mesmos a existência de uma coisa num só e mesmo tempo – simultaneamente – ou em termos diferentes – sucessivamente. O tempo é uma representação fundamental que constitui a base de todas as intuições. É impossível suprimir o próprio tempo no entendimento dos fenômenos em geral, conquanto se possam perfeitamente separar os fenômenos do tempo. O tempo é, sem dúvida, concebido a priori. Toda a realidade dos fenômenos é possível somente no tempo. Pode-se prescindir de todos os fenômenos, mas o tempo não pode ser suprimido – enquanto condição geral da sua possibilidade”. (Kant, 2001: 73).

Para Kant também, o tempo tem apenas uma dimensão e não acontece do mesmo jeito e velocidade para todos; ele é diferente e sucessivo. Não se fundamenta na experiência de vida porque, como não há uma só experiência de vida igual para todos, logo, o tempo não seria universal e nem objetivo. Não é a experiência de vida que determina o tempo, mas as noções acerca dele que a possibilitam; noções oriundas de uma intuição sensível e pura. “O tempo não é um conceito discursivo ou, como se diz, um conceito universal, mas uma noção pura da intuição sensível. Tempos diferentes são apenas partes de um mesmo tempo” (2001:73).
Kant, apesar do que disse acerca do tempo, não conseguiu escapar da sua própria experiência de vida e da sociedade do seu tempo quando formulou sua tese a este respeito. Aprendeu a empregar o conceito de tempo no sentido particular que havia adquirido em sua época, ligado aos progressos da física e da técnica. Assim afirma Nobert Elias a respeito dele: “A partir de sua experiência pessoal, Kant extraiu, muito precipitadamente, a conclusão de que essa experiência e esse conceito do tempo devia representar uma condição imutável de toda experiência humana. Nem sequer pensou na possibilidade de verificar essa hipótese, procurando saber se os homens, sempre e em toda a parte, efetivamente possuíam ou havia possuído um conceito permanente de qualquer experiência humana” (1998:52).
Nos dias de hoje, em pleno século XXI, o conceito de tempo mais utilizado advém do senso comum exposto em muitos dicionários. Neles, o tempo é um meio infinito no qual os acontecimentos se sucedem; medida de duração dos fenômenos, da existência, etc; momento fixado, prazo; época, período; estação, estado da atmosfera num determinado momento e lugar (chuva, sol, neve e etc...); ritmo, divisão de um compasso musical e etc... Mas, podemos encontrar em outras literaturas, conceitos oriundos do senso comum muito mais trabalhado, onde tempo: “é o enigma tantálico que transparece, como pano de fundo, em todas as manifestações e pensamentos humanos. Ele é existencial, social, cósmico e orgânico. Ora linear, circular, espiralado, pontual, processual, regular, irregular, finito, infinito, duração; ora um mero constructo cultural sem significação” (Aguiar, 2000:77). O grande problema nisto tudo é que todos os termos empregados em nossa sociedade alusivos ao tempo apontam para uma concepção naturalista do mesmo; como se fosse um fenômeno a-priorístico. Termos como: “... A hora, o dia, o mês e o ano são formas de interpretar e medir o tamanho do tempo” (Turazzi e Gabriel, 2000:08). O “nosso mundo” industrial é construído com este “tempo” como tivesse sido sempre assim, por isso ele tem tamanho, espessura e ritmo, podendo ser medido ou interpretado, jamais construído ou reconstruído.
Não obstante, podemos trabalhar com uma idéia diferente de tempo que para nós poderia ser o nosso único tempo de fato. Estou falando do tempo histórico ou do tempo social. Este é o nosso único tempo, não há outros a não ser variações sociais desse mesmo conceito. Aquela diferenciação que é feita entre o tempo histórico e o tempo físico ou natural que é ensinado nos livros didáticos de história, não passa de parvoíces, uma vez que todo tempo, para nós, é social, é histórico. Todavia, o que pode ser isso mesmo, o tempo histórico?


2. O TEMPO HISTÓRICO

Não sabemos o que o tempo é porque ele não existe.Todavia, é possível estabelecermos uma compreensão do que ele tem sido e está sendo para nós. Neste sentido ele é histórico. Basta observar como sua compreensão atravessa a se próprio. Historicizamos o tempo, não para encontrarmos o tempo, mas a nós mesmo, ocidentais. Somos nós que construímos este conceito e o modificamos, bem como o universalizamos a força. O tempo histórico é uma construção social:
“Não há temporalidade fora de uma visão política de mundo, fora dos quadrantes de significado de uma sociedade. As historicidades como conhecemos estão intimamente ligadas ao modo como as sociedades criam, ao mesmo tempo, mercadorias e imaginários, concretude e ilusão, subjetividade e objetividade, interioridade e mundo. Os ritmos socioindividuais dessa criação, sua produção e sua reprodução incessante, são os principais formatadores daquilo que vivemos, percebemos e sentimos como o tempo.” (Caldas, 1999: 54).

Se nada acontecesse em lugar algum ou se nós não existíssemos, ainda assim o tempo existiria? Ele passaria? Como poderíamos saber da sua existência ou se ele realmente teria passado? Estas questões são para os enxergam o tempo como um elemento da natureza. Mas, como o tempo é social e histórico, este tempo naturalizado não deixa de ser também uma criação de uma dada sociedade no tempo. O tempo depende da sociedade, depende de onde ela se localiza e passa mais rápido ou mais devagar de acordo com a sua situação (ou posição/referência) e vai para frente ou para traz, dar voltas ou sempre se renova (o ”eterno retorno” de muitas civilizações da Antigüidade) conforme for sua visão ou modelo explicativo do mundo (paradigma social) de sua sociedade. Será que os índios que viviam na América Central, quando lá aportou Colombo, também pensavam que era 1492 d.C. ? Sabiam que estavam no “período pré-colombiano?” O ano de 1492 existia antes deles e dos europeus? Certamente que não! Já os gregos antigos entendiam o tempo como um círculo que sempre se repete. Com base na observação daquilo que eles chamavam de ”natureza”, eles percebiam que ocorre um processo de nascimento, desenvolvimento, decadência e morte, que se repete continuamente. Na primavera, as árvores florescem; no verão, dão os frutos; no outono, perdem as folhas; no inverno, parecem mortas. Voltando a primavera, elas renascem. Por essa maneira de pensar o tempo, o envelhecimento e a morte não são considerados desgraças. Pelo contrário, ambas são apenas preparação para o novo. A passagem (ou percepção) do tempo não causa ruína, apenas renova. Portanto, tempo deriva do modo de vida de uma dada sociedade, da maneira como eles constrói sua realidade, por isso, o conceito de tempo, sua contagem e tudo mais relativo a ele mudam conforme o lugar e a época, por isso que é histórico e que é social.

3. O PARADIGMA DOTEMPO OCIDENTAL

A nossa definição ocidental de tempo está baseada ou enxertada em um paradigma filosoficamente, construído com a idéia de progresso, vinda do iluminismo e de evolução formulada no século XIX. Sendo assim, ele é tratado como uma mercadoria ou um objeto, que uma vez utilizado, é descartável, jamais voltará a ser usado novamente. Por sinal, em nossa sociedade industrial, podemos até comprar o tempo, quando escolhemos um eletrodoméstico mais rápido que um outro ou quando comemos “fast food” em nosso dia-a-dia. Este tempo parece seguir uma única direção e na medida que segue vai se “superando” sempre, isto é, o momento seguinte será sempre melhor que o momento anterior. Para nós ocidentais modernos, seria muito estranho se o nosso relógio começasse a andar para trás, ou se as plantas crescessem na direção oposta, para dentro da terra, ou se um prato quebrado voltasse a ficar inteiro. Todavia, foi o calendário cristão que introduziu a idéia de começo e fim dos tempos, contrariando a idéia grega de tempo circular que sempre se renova. Segundo a visão cristã, o começo dos tempos localiza-se no momento em que seu deus criou o mundo, e o fim dos tempos será o dia do juízo final. Fora disso, existe a eternidade (onde não há tempo), que não tem começo nem fim.
Com a criação do mundo e das pessoas passa a haver a datação do tempo. Depois do juízo final, os homens terão o direito de ingressar na eternidade. Segundo a crença cristã, os que “aceitaram a Cristo pela fé” ou que foram “bonzinhos” vão para o “Paraíso” e os “incrédulos” ou “malvadinhos” para o inferno. Conforme esta leitura da bíblia, não haverá outro tempo histórico, não haverá redenção para os maus, ou seja, não haverá segunda chance. É ela mesmo que diz: “,..., depois da morte, segui-se o juízo” (Hebreus 09:27b). Esta é uma das razões do tempo ocidental ser progressivo. Nem todas as religiões têm esta visão do tempo (veja o caso do espiritismo). O nosso pensamento a respeito do tempo está estruturado nesse sistema de crenças. Mas outras crenças irão se juntar a essas posteriormente e nos ajudarão a vermos nele, no tempo, algum sentido absoluto.

4. PARA ONDE VAI O NOSSO TEMPO? - A QUESTÃO DO SENTIDO

Os tempos ou múltiplos tempos são opacos, insondáveis, isto é, eles são enigmáticos. São como o fundo do mar: inacessível, inatingível. Não se pode achar o fundo. O nosso tempo ocidental também é assim, mas o que faz ele ser ocidental, ser o nosso tempo, é o seu projeto moderno de civilização, elaborado pela Ilustração européia a partir de motivos da cultura judeu-clássica-cristã e aprofundado nos dois séculos subseqüentes por movimentos como o liberal-capitalismo e o socialismo. É por isso que ele é ordenado em seqüências onde cada uma é diferente e melhor que a outra. Todavia, para realizar isso, fazemos uso da matemática, fazemos uso de números, enfim, fazemos uso de datas. Mas, o que são datas? Datas são números, índices que fixam acontecimentos, são pontos de luz num denso e escuro mar de eventos ou acontecimentos acumulados pelos séculos dos séculos, sem os quais seria impossível sequer vislumbrar no opaco (insondável) dos tempos os vultos das personagens e as órbitas desenhadas pelas suas ações.
Entendemos por números como sendo parte de um todo, elemento de uma série ordenada. Assim também é a data para nós ocidentais. Os fatos se passam uns depois dos outros. Para contá-los, isto é, narrá-los, é preciso também contá-los, isto é, enumerá-los. Contar é narrar e contar é numerar. Contar o que aconteceu exige que se diga o ano, o mês, o dia, a hora em que o fato se deu e, matematicamente, não volta mais. Desta forma, somos induzidos a pensar e vivenciar a seqüência dos acontecimentos, dos dias, dos meses, dos anos, enfim, das datas ou do tempo, como tendo um sentido, um só movimento, e que este, por sua vez, parece seguir uma única direção que vai sempre passando, tal qual uma flecha que aponta para uma direção - do passado para o futuro. O passado já acabou e não pode ser alterado, mas ele nos dá alguma idéia do que vai acontecer no futuro. Para o olhar seqüencial, tudo quando sucede traz a chancela de um número disposto em uma série; logo, o momento passado, o momento anterior, já passou e, matematicamente, não volta mais. Assim sendo damos ao tempo histórico uma linguagem de irreversibilidade. Cada minuto da História dura até apagar-se, isto é, esvai-se, mas para ser substituído por outro, e assim sucessivamente. Este é o modelo de tempo que presidiu à evolução das técnicas ao longo da era industrial.
Na Europa, o tempo caminha para frente na seguinte seqüência ou na seguinte direção, nomeadas pelos respectivos sistemas de produção que ela experimentou: 1) Pré-história (caça, pesca e coletagem); 2) História antiga (agricultura, invenção da escrita); 3) Idade Média (oração, guerra e agricultura); 4) Idade Moderna ( trabalho braçal mecanizado ); 5) Idade Contemporânea ( trabalho mecânico automatizado ).Tal seqüência deixa entender, que o modo de vida ou sistemas de produção européia teve um início, considerado, simples e que foi sucedido por outras formas de organização mais complexa e supostamente “melhor”. Passa uma idéia de que tudo o que eles são “hoje” é um resultado de tudo o que eles foram “antes”. Na verdade, esta visão é produto de um evolucionismo, típico do século XIX. Este jeito de dividir o tempo é influenciado pela forma de pensar e de viver dos europeus, mesmo não sendo também algo absoluto entre eles Para alguns destes, existe a possibilidade do tempo histórico ser imóvel e o conceito que se tem de passado, presente e futuro não fazer nenhum sentido para eles.
Portanto, para onde é que vai o nosso tempo histórico? Para quanto nenhum! A seqüência que os nossos referencias permitem perceber não produz necessária e automaticamente uma evolução do inferior para o superior. O depois não é produzido qualitativamente pelo antes, o passado nem sempre tem alguma relação com o presente. Não há sentido no tempo, muito menos em qualquer seqüência que se faça dele, a não ser o de uma temporalidade em si vazia, cega e irreversível. Talvez, a vontade de viver e de sobreviver seria o “sentido” imanente da série cronológica em que se inscreve a existência. A História se assemelha a uma cavalgada. Os impulsos levam os homens ora a se aproximarem por simpatia ou necessidade, ora a se afastarem por antipatia, indiferença ou presumida auto-suficiência. O horizonte de cada indivíduo e de cada grupo é fatalmente a morte. O sentido dos tempos históricos aí se resolve na pura alternância dos mecanismos de conservação, reprodução, destruição.

5. O “PRESENTE” E O “PASSADO” NO TEMPO HISTÓRICO

Diante de todas essas informações acima, como podemos pensar o presente e o passado? Simplesmente dizendo que presente “é o que acontece no momento em que se fala” e passado é, justamente o oposto? O momento em que já se falou? Não! O nosso conceito de presente e de passado dependerá sempre de um ou mais referenciais para existir, porque presente e passado em si mesmo não existe para ninguém, mas sempre para alguém. Ambos são variações de uma mesma linguagem que a nossa sociedade possui e por ela mesma fixada como referenciais ou fundamentos de um antes e de um depois conforme as circunstâncias do nosso presente. Sem uma experiência social de onde possam brotar ou se referenciar, não há como tais conceitos existirem. Portanto, presente e passado são imagens que nós construímos, são percepções, são leituras diferentes que fazemos de uma mesma sociedade. A linguagem é a única que é capaz de criar um tempo e estabelecê-lo como memória, como passado, como algo que é separado, digo, diferente do que chamamos de presente, mas que tem alguma ligação. É tido como um ponto de partida, uma origem, quando na verdade, não é origem de coisa alguma. Somos nós, sociedade ocidental e moderna que nomeamos um ponto de partida, um começo num “tempo que já passou”, mas que na verdade continua onde sempre esteve: no presente em toda sua espessura e elasticidade, para que nossa identidade (alteridade) e projetos sejam compreendidos. O valor do que somos e do que fazemos; o seu significado, é colocado sob a responsabilidade de uma origem mítica, criada por nós e entendida pelos nossos sentidos formatados ou programados socialmente. Quando, portanto, falamos de passado, estamos, na verdade, falando é do presente em toda a sua dimensão ou elasticidade. Esta, por sua vez, não se limita ao “já”, ao “agora”, a aquela percepção instantânea que sentimos. O presente é somente mais um dos nomes que damos ao tempo com ajuda de um referencial social por nós estabelecido. Comumente chamamos de “agora”, mas não existe qualquer momento no tempo que todos possamos chamar de “agora” ou de “presente”.
O presente não tem tamanho, espessura, localização. Ele comporta todos e tudo o que somos, ele é fluxo ativo e profundo, é uma percepção elástica, onde o imediato se mistura com o que vai deixando de ser imediato, num movimento sempre contínuo e renovador, É como um contínuo puxar e deixar de puxar um elástico. Poderíamos chamar de um eterno presente ou de um presente elástico, isso que vivenciamos em toda sua plenitude. É como o ar que aspiramos e expiramos continuamente, é como a respiração.
Nós não vivemos em um presente contínuo, num vácuo ou numa espécie de entorpecimento de nossos sentidos. O presente em que vivemos é maior e mais denso que esse e é percebido pelos nossos sentidos que se interagem. Só os outros animais, não humanos, é que vivem neste presente sem sentidos estabelecidos, sem sensações alguma, sem horizontes, sem perspectiva, sem objetivos, sem valores as quais possam estendê-los ou dar alguma dimensão mais ampla tal como funciona entre nós humanos: É como se fossem automatizados, pois todos os seus gestos são sempre repetitivos, são sempre previsíveis (para nós) e quando chega a hora (para nós), eles simplesmente somem, nunca existiram para eles mesmos. Já viram uma vaca chorar de saudade? Lutar pela sobrevivência? Recordar de fatos passados? E planejar o futuro?
Portanto, ao estudarmos, o passado, estamos estudando de fato uma dimensão do presente, uma leitura bem construída e ritmada por parcelas de tempo bem divididas, interligadas e ordenadas numa seqüência progressiva, tendo um “começo” e um “fim” escolhidos com antecipação, bem ao gosto particular e restrito de nossa sociedade. Fora dela ou além dela, não há “presentes”, não há “passados”, enfim, não há história que seja estudada. O que estudamos, de fato, são discursos bem construídos, versões aceitas do que somos ou deviríamos ser, camuflados de verdade ou de “verdade histórica”.
Ao estudarmos sobre o Jorge Teixeira, Cristo, seu falecido pai ou qualquer outra pessoa ou coisa ou acontecimento, estaremos, simplesmente, estudando uma expressão ou uma leitura do que somos nós ou do queremos ser. Apenas utilizamos isso tudo como material para construção daquilo que somos ou queremos ser. e que desaparecerá conosco. Esta é a forma de “presentificarmos” ou darmos alguma concretude temporária a uma sombra de algo ou de alguém que sumiu quando a luz desapareceu, se esvaiu. Ao estudarmos qualquer um das pessoas ou situações acima citadas, estaremos, por meio da linguagem, conservando e reavivando imagens por nós estabelecidas, petrificadas, objetificada, tal como uma mercadoria, dentro de “períodos” preestabelecidos. Eu me lembro do que não vi porque me contaram. Ao lembrar, re-atualizo o “passado”, “vejo”, “historio” o que outros “viram” e me “testemunharam”. Tudo versão ou versão de versões bem presente.

CONSIDERAÇOES FINAIS
O tempo não é um dado da natureza, mas sim da sociedade que a concebe ou uma criação cultural que faz parte do sistema de crenças dos homens. Em outras palavras, ele não existe ou não conhecemos o que é verdadeiramente o tempo.
Esse tempo que ordena nossa vida é um tempo que atemoriza porque leva a decadência e a morte, identificada com o fim e não com a renovação, como no pensamento grego. Nos tempos atuais, a radicalização desse temor levou à busca pela manutenção da juventude, para afastar a morte (quantos homens não sonham com a imortalidade!) e, o que é mais triste, levou a se considerar que aquilo que é velho não é bom, inclusive as pessoas...
O tempo é uma convenção criada para facilitar a nossa comunicação e o entendimento do que nos rodeia. Dentro dessa perspectiva, são criados as instâncias ou os pedaços de tempo que conhecemos como presente, passado e futuro e outros pedaços a mais...
Enfim, não existe o tempo físico ou um tempo em si mesmo. O único tempo que existe é o tempo histórico ou social; o “Tempus Fugit”. Presente ou passado tratados como coisas estranhas e separadas absolutamente, são diferenciações de uma mesma densa, elástica e espessa linguagem chamada presente. Estudamos história, quando de fato, estudamos o presente.



BIBLIOGRAFIA

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2. BÍBLIA SAGRADA. Versão revisada da tradução de João Ferreira de Almeida. De acordo com os melhores textos em Hebraico e Grego. Imprensa Bíblica Brasileira. Rio de Janeiro. 1986.

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